ACIC atua na pauta Ferrovias
Costuma-se dizer que a ferrovia foi o modo de transporte mais importante do século XIX e que, no século seguinte, o predomínio foi das rodovias. E agora, em pleno século XXI, como será? Tudo indica que os trilhos voltarão a ditar o rumo dos transportes nas próximas décadas.
Nessa volta ao futuro, os trens são impulsionados pelo avanço tecnológico e por outros fatores, como a eficiência energética, as vantagens ambientais e a competitividade para o transporte de grandes cargas em longas distâncias.
Pela primeira vez no país, temos dois candidatos à Presidência que reconhecem a importância decisiva de se investir na infraestrutura de transportes para o desenvolvimento da economia nacional. E tanto Dilma Rousseff quanto José Serra destacam o papel reservado às ferrovias na dinamização da infraestrutura logística. Sob esse aspecto, ambos parecem afinados com a tendência mundial de expansão dos sistemas ferroviários, sobretudo em países de dimensão continental como o Brasil.
Infelizmente, até pouco tempo a matriz de transportes brasileira esteve na contramão dessa tendência.
Em países de grandes dimensões como Canadá, EUA e Austrália, mais de 43% das cargas viajam de trem. Na Rússia, essa participação chega a 81%. Na China, por enquanto, 37%. No Brasil, ainda não passa de 25%, mas já evoluiu bastante, pois há poucos anos estava em 17%.
Nosso ritmo atual do crescimento econômico exige que o país tenha 52 mil quilômetros de trilhos, bem mais do que os atuais 28 mil quilômetros operados pelas concessionárias de transporte ferroviário. A boa notícia é que o governo federal voltou a investir fortemente na construção de novas ferrovias, seguindo o exemplo de todos os grandes países do mundo.
Além de se expandir a malha, estudase o aperfeiçoamento do marco regulatório do setor para compatibilizálo com as demandas que o nosso país precisa atender para se equiparar às nações que operam com eficiência as suas ferrovias.
Aliás, vale examinar alguns modelos positivos e negativos extraídos da experiência internacional.
O Reino Unido, por exemplo, decidiu há poucos anos separar a concessão dos trilhos e a operação dos trens.
Esse processo começou em 1995, com a entrada da Railtrack, empresa voltada exclusivamente à gestão de infraestrutura.
A euforia inicial levou a crer que o movimento e os lucros cresceriam progressivamente, mas o que aumentou foram os atrasos e acidentes, provocados pela baixa qualidade da malha, em função dos baixos investimentos.
Em 2002, com a falência da Railtrack, os ativos foram incorporados à empresa semi-estatal Network Rail, que hoje trabalha com custos elevadíssimos para os padrões internacionais.
Na Espanha, após a separação entre infraestrutura e operação, ocorrida em 2004, a participação das ferrovias na matriz de transportes caiu, de 5,1% em 2004 para 4,1% em 2008. O sistema espanhol ainda depende de uma volumosa injeção de recursos do Estado, inclusive em subsídios para os trens de passageiros, que indiretamente favorecem também o transporte de carga.
Nas ferrovias norte-americanas ocorre exatamente o oposto: suas operações verticalizadas (a mesma empresa cuidando dos trilhos e dos trens) alcançaram elevado grau de eficiência.
Antes da desregulamentação do setor, em 1980, a situação das ferrovias de carga nos EUA era crítica em função dos baixos investimentos públicos, da regulação onerosa e do forte subsídio ao transporte rodoviário — um cenário parecido com aquele que os brasileiros viviam antes da desestatização, no fim da última década.
No Brasil, a antiga Rede Ferroviária Federal, estatal que acumulava prejuízos de R$ 1 milhão por dia, deixou um déficit superior a R$ 13 bilhões ao ser extinta. Com o modelo atual, o que até então era prejuízo tornou-se lucro, pois esse valor já foi recolhido aos cofres públicos pelas concessionárias, na forma de arrecadação de impostos, Cide, concessão e arrendamentos (R$ 1 bilhão por ano).
O modelo brasileiro de concessões reguladas possibilitou uma sólida política de investimentos: as concessionárias injetaram mais de R$ 22,5 bilhões no sistema ferroviário de 1997 a 2010, criando as condições necessárias para um aumento considerável dos resultados operacionais. Em 13 anos, a produtividade das ferrovias aumentou em 77%, e a carga movimentada cresceu mais de 56%. Os produtos transportados pelas estradas de ferro se diversificaram: a carga geral teve crescimento de 48%, com destaque ao agronegócio, que registrou aumento de 208%. E o crescimento da intermodalidade permitiu um salto de mais de 7.769% na quantidade de contêineres transportados.
Dados o histórico das experiências internacionais e as diferentes realidades em termos de escala e produtividade, é preciso observar os prós e contras de cada modelo ao se discutir a possibilidade de mudanças em nosso país. Quem lida diariamente com o setor já conhece de perto os pontos críticos e se propõe a trabalhar em conjunto com o governo, em busca da alternativa mais adequada. Deve-se destacar que há possibilidade de melhorias nos atuais contratos de concessão, em pontos importantes como a determinação explícita de compromissos de investimentos. A solução não é uma receita pronta a ser importada de outros países. Ela está aqui mesmo, em nossos erros e acertos.
Bem diante de nós.
RODRIGO VILAÇA é diretor-executivo da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários).
O transporte ferroviário sempre teve participação ativa na vida das cidades servidas por ferrovias. Mas, nos últimos anos, por razões diversas, este modal foi relegado a segundo plano nas esferas governamentais. Extinguiramse os trens de passageiros, os investimentos escassearam e o transporte das pessoas e das cargas migrou, por falta de opção, para rodovias.
A privatização da operação dos serviços não produziu os resultados esperados. A retomada dos investimentos no setor foi tímida em relação às necessidades e não gerou as transformações necessárias na matriz de transportes brasileira.
A expansão do setor ferroviário no volume total de cargas transportadas concentrou-se em segmentos específicos de negócios, ligados aos interesses dos grupos controladores das concessões, apesar do grande aumento da produção de cargas típicas de ferrovias, como a de produtos agrícolas e, mais recentemente, da produção industrial. Com competição restrita, a referência dos fretes ferroviários acabou sendo os praticados pelo transporte rodoviário, de características distintas e com custo maior por tonelada transportada.
Este cenário começou a mudar com o Plano de Revitalização das Ferrovias, em maio de 2003. Iniciou-se um processo de revisão do modelo adotado e promoveu-se uma retomada objetiva dos investimentos na expansão do sistema ferroviário.
Hoje, estão em fase de licitação ou de construção quase cinco mil quilômetros de novas ferrovias, dos quais 1.360km entrarão em operação ainda em 2010 e o restante até o final de 2012. Serão ferrovias modernas e construídas na concepção de eixos estruturantes para escoamento da produção. E outros 15 mil quilômetros estão sendo planejados, para implantação até 2015, sem contar as intervenções na malha existente para modernizá-las e torná-las eficientes.
Com as novas ferrovias articuladas à malha existente, o Brasil terá um transporte ferroviário integrado de norte a sul, de leste a oeste e com saída para o Oceano Pacífico. Com isso, milhares de caminhões deixarão as rodovias e os usuários de ferrovias passarão a ter opção de escolha de 15 portos, para o embarque de suas exportações.
Para que estes investimentos se transformem efetivamente em redução dos custos logísticos, estão sendo implementados um novo marco regulatório e um novo modelo de concessão.
Estes instrumentos valerão para as novas ferrovias e para orientar uma possível repactuação dos contratos existentes, para adequá-los às necessidades de transportes no Brasil.
Estas medidas, reforçadas por um novo Regulamento de Transporte Ferroviário, prestes a ser anunciado, criarão as condições de trazer mais competitividade e mais eficiência às ferrovias.
É preciso tornar os marcos regulatórios mais claros para consolidar regras de convivência competitivas entre os operadores, como o direito de passagem, que permitirá a circulação de trens de uma concessão na malha ferroviária de outra concessão. Os usuários dependentes de ferrovias terão a liberdade de criar serviços dedicados, possibilitando-lhes o gerenciamento direto dos custos dos serviços. Um ambiente mais competitivo na ferrovia levará a um processo mais adequado de formação de preços dos serviços.
Também a gestão dos atuais contratos de concessão será aperfeiçoada, para induzir a exploração eficiente da malha concedida. Hoje, dos 29 mil quilômetros de ferrovias existentes, menos de 11 mil quilômetros são explorados e o restante está desativado ou subutilizado.
Além da expansão na área de cargas, há também um espaço a ser explorado com os trens convencionais de média velocidade, para ligações regionais e para o transporte de passageiros de longas distâncias, utilizando a malha ferroviária moderna que está sendo construída.
As ferrovias são estratégicas se um sistema de transporte que permita uma logística competitiva e moderna para sustentar o crescimento econômico for construído. E as mudanças em curso darão ao setor condições de exercer com eficiência o papel que lhe cabe num país de dimensões continentais e com a perspectiva de crescimento econômico que o Brasil tem hoje.
Com os novos trechos, o Brasil terá um transporte ferroviário integrado.
20/10 • 14h08